Floração Secreta
Xana
30 Abril a 03 de Junho
Ermida de N. Srª. de Guadalupe
Pinturas-esculturas, arquitectura, formas inéditas, cores brilhantes, recusa da evidência da representação, paisagens? Eficácia visual, objectos de plástico, coisas banais, produção, apropriação, sociedade de consumo, humor, jogo, destabilização, liberdade, felicidade, são palavras que podem ser “pedras de toque” na aproximação às obras que o artista apresenta no interior da Ermida (patente até dia 06 de Maio) e no exterior (patente até dia 03 de Junho).
A Passagem de Walter Benjamin é uma obra fragmentária constituída por inúmeras citações, trechos de livros, entre outras coisas. Neste pequeno texto sobre a intervenção que o artista plástico Xana apresenta na Ermida de N. Sra. de Guadalupe recorro, à maneira de W. B., a um conjunto de citações na tentativa de apontar possíveis leituras para a sua obra e em particular para esta intervenção.
“A arte é algo para que se olha” (art is something that you look at) afirma inicialmente Judd. George Didi-Huberman no livro “O que nós vemos, o que nos olha” afirma a propósito da obra de Donald Judd: ”Eliminar toda a forma de antropomorfismo era restituir o poder intrínseco das formas – dos volumes enquanto tais. (...)”( pág. 38). (...) Diz-nos ainda que Robert Morris reconhecia de bom grado “que a simplicidade da forma não se traduz necessariamente numa igual simplicidade da experiência; e acrescentava: as formas unitárias não reduzem as relações. Ordenam-as”. (pág. 38 e 39) “E até as complicam ao ordená-las” afirma Didi-Huberman (pág. 39).
Nas intervenções fora do espaço da galeria que Xana realiza em Barcelona, o Arco do Triunfo, Areia Para Os Olhos, em várias praias do Algarve, no âmbito do Allgarve, Uma Casa no Céu, no Parque de Escultura Contemporânea Almourol, em Vila Nova da Barquinha, há objectos de plásticos de cores fortes, fabricados em série, objectos de consumo empilhados que criam espaços, formas arquitectónicas, muralhas, muros, paredes, pontes. Uma forma de brincar a sério em que o artista parece apontar para possíveis questionamentos sobre o exercício da liberdade nas formas de convivência com os outros, sobre a construções de utopias e a tentativa da sua realização no presente,
(que não sendo reactivadas e actualizadas continuamente poderão pôr em causa esta mesma liberdade), ou ainda sobre a existência ou a necessidade de caminhos de fuga.
Em 2005, Xana apresentou na Culturgest uma exposição antológica, comissariada por Alexandre Pomar e Lúcia Marques, intitulada “Arte Opaca e outros fantasmas”. No catálogo desta exposição há um conjunto de reflexões que importa citar e que talvez permitam levantar um pouco o véu sobre o universo da linguagem visual criado pelo artista:
“Estabelecera-se como característica forte do seu trabalho, desde muito cedo, uma indistinção de disciplinas ou géneros entre pintura e escultura que Xana deixou expressa numa fórmula feliz: “Não sou um escultor. Sou um pintor que usa cores compridas. (1984)” (pág. 04)
“As distâncias entre a obra isolada e o seu contexto de aparição pública, entre a produção própria e a montagem de objectos apropriados (objectos encontrados no universo do consumo de massas: os plásticos utilitários), entre a obra plástica autónoma e a criação ou transformação de lugares iriam ser subvertidas em exposições ou instalações cada vez mais vastas onde todas as pinturas-esculturas, as construções com objectos e as intervenções nos espaços surgiam reconfiguradas como uma obra global – mais do que cenário, a construção de um mundo.” (pág. 4 e 5)
“Atenção que as minhas obras vão surgindo como uma construção, as obras de ontem são os alicerces de amanhã. E às vezes há uma grande distância entre o pensar e o fazer.”-“avisa-me ele numa troca de emails.” (pág. 6)
(...) ele ocupava desde o início um território despreocupadamente “abstracto” e declarava-se interessado em produzir uma arte pura, muito mais perto da música do que da linguagem verbal (...).” (pág. 6)
“As formas (...) recusavam outra vez com evidência a representação ou a referência a objectos prévios e viam-se como acto criativo lúdico, gratuito, festivo”. (pág. 10)
“Eram um jogo feliz de procedimentos construtivos, formas inéditas e cores brilhantes que no final da década de 80, em contraciclo com novas estratégias que privilegiam questões de sentido e programa, persistiam no desenvolvimento de proposições de pura eficácia visual.” (pág.10)
“ (...) as disposições provisórias de objectos de plástico, alinhados ou empilhados em construções de maior ou menor porte, podia ser vista em si mesma como escultura de um novo tipo, que radicalizavam (pela sua banalidade de objectos de consumo corrente, não sofisticados e pela multiplicidade exponencial) outras formas de apropriação neo-pop – (...) podia relacionar-se com o interesse estético pelos objectos de consumo de massas reactualizado por Jeff Koons, Haim Steinback e outros.” (pág. 13)
“Xana declarava: Depois de Warhol, o senso comum admite que os objectos mais banais têm um valor plástico. (...) Quando eu trago os plásticos para dentro da exposição, já não tenho a intenção de provocar escândalo; apenas estou a dizer que gosto destes objectos, que estes objectos me interessam e que tem a ver com o meu mundo”. (pág.13 e 14)
João Pinharanda a propósito de outra exposição – O Falso Diário de A. B. – afirma:“Sobrepondo realidades diversas (pequenos filmes, fotos, desenhos, curtas animações, frases marcantes). Xana prolonga experiências fotográficas de 2003 e parece proceder à depuração de um conjunto de vastas colagens (de 1985, série "Raspar as palavras") (...).
Assim constituiu um arquivo de olhares banais sobre coisas banais, de momentos de alegria fútil nos convívios sem história entre amigos ou de voyeurismos sem consequências. Um arquivo de imagens nauseantes da sociedade de consumo, paisagens devastadas pela urbanização, paródias à massificação da cultura.
A intervenção dos seus desenhos nas imagens filmadas e nas fotos mantinha o marcante carácter de surpresa e contradição cromática e formal, humor e desestabilização. Do mesmo modo, certas frases (com efeito semelhante às que usara nos anos 80 em pequenas colagens de jornal) regressam como legendas finais constituindo comentários que integram inteligência verbal e inteligência visual — formas e ideias sobre a felicidade e a nostalgia, a perdição e a salvação do mundo. (...) ”
Susana de Medeiros
O ciclo Derivas Continentais (Artes Visuais/Artes Performativas) é um projecto de Susana de Medeiros e Conceição Gonçalves integrado no programa DiVaM e organizado pela Associação Tertúlia (Aljezur).
Sem comentários:
Enviar um comentário