quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Inauguração de Transmutações de Milita Doré e Concerto jazz de H. Kramer e J. Madeira

Transmutações                              Milita Doré
Ermida de N. Sra. de Guadalupe                               10 a 30 Setembro

  
"A imensidade do vazio, do buraco negro e do seu mistério, da amálgama da memória e do esquecimento...
Tudo o que não foi transmitido volta donde vem, ainda mais rico e mais sábio do que antes, para o todo infinito.
Levo comigo as recordações, os sentimentos, os pensamentos efémeros que não podem ser escritos por serem tão sentidos. Levo a leveza e volatilidade da vida."
Milita Doré

“um sente o outro
um vê o outro
um ouve o outro
um interpela o outro
um conhece o outro
cada um morre consigo”
Maria Filomena Molder in Matérias Sensíveis


Primeira regra, continuar. Segunda regra, começar. Porque nada começa do nada. Assim nos diz Maria Filomena Molder numa entrevista transcrita no jornal Expresso.
Milita Doré também continua para começar. Nesta instalação Milita Doré não utiliza a grafite sobre papel apesar de dominar bastante bem a arte de representar, o riscar e o deslizar do lápis ou da barra sobre o suporte. Não recorre à figuração. Assume a relação entre o papel e o tecido enquanto matérias. A relação com os materiais parte de uma experiencia física intensa e longa, uma vez que para os unir, com agulha e linha, e são mais de 14 os metros de papel e tecido, é preciso mudar muitas vezes de posição, numa coreografia secreta entre a obra e a sua autora. Uma coreografia que convoca sensações. Textura, tactilidade. Leve, pesado, vertical, horizontal, a gravidade.
E uma acumulação das horas e dos dias.
O que resta de nós? Que rastos deixaremos? Que é feito dos nossos pensamentos quando o corpo também deixar de existir, quando a História apagar as sensações, as histórias, os segredos? Perguntas que foram surgindo enquanto a artista reflectia sobre a forma de como intervir no espaço da Ermida de N. Sra. de Guadalupe e sobre a mitologia associada à Virgem Negra na Europa e no Novo Mundo (no México).

Neste lugar, o da Ermida, a relação entre o sagrado e o profano estará sempre presente mas também podemos convocar o ciclo nascimento, vida e morte e a dicotomia entre corpo e espírito.
“Também a vida, e não só o universo, parece infinita. O homem não assiste à sua própria morte, apenas a pode pressentir (…); igualmente, a sua consciência não lhe permite aperceber-se do seu nascimento; assim, o tempo da vida do homem é ladeado por duas incógnitas.” (…) (1)
Talvez a vida e a morte passem por um devir–natureza. E José Gil afirma: “O devir–natureza passa pela erosão, pelo infinitamente remoto: o interior o que espreita no rasgão ou no buraco do papel (…), mostra o tempo mais antigo - não o imemorial do princípio do mundo, mas a memória mais arcaica de onde vimos. O que estava desde sempre e que se anuncia através da fenda.” (…) (2)

Mas convidámos o espectador a olhar ele a coisa ou as coisas que o rodeiam e a estabelecer a sua teia de relações. Isto porque, continuando a citar José Gil: “Cada vez ignoramos mais o que seja uma coisa. Interrogados, tendemos a dar resposta a partir dos enunciados disponíveis nos incontáveis arquivos (pontos de vista, jogos, estratégias cognitivas). Por isso há palavras muito cansadas. Nomes como vida, natureza, história, arte, quando pronunciados levantam logo a suspeita, muito tédio, algum pudor (…). (3)
Susana de Medeiros



(1) in Arte Capital, Filipe Pinto, Perspetiva e extrusão: uma história da arte
(2) in GIL, José, Sem Título - Escritos sobre Arte e Artistas, Lisboa, Ed. Relógio D’Água, 2005, pág. 229
(3) in GIL, José, Sem Título - Escritos sobre Arte e Artistas, Lisboa, Ed. Relógio D’Água, 2005, pág. 213



  























Transmutações é a quarta exposição do ciclo Derivas Continentais, um projecto de Susana de Medeiros e Conceição Gonçalves, organizado e produzido pela Tertúlia (Aljezur) no âmbito do programa DiVaM.


Milita Doré
Vive os seus primeiros 30 anos entre Paris e Cannes e regressa às suas origens algarvias em 1988. Nos últimos anos trabalha sobre o tema da igualdade de género e da mulher, utilizando vários médiuns. Em 2009/2010 frequenta as aulas de Teoria da Estética no Ar.Co. Participa nos cursos de Arte Contemporânea MOBILEHOME 2009, 2010 e 2012 organizados por Nuno Faria.
Em 2013 e 2014 é convidada pela AHME (Associação Humanitária de Mulheres Empreendedoras) a participar no projecto “Equal rights and equal duties” com a sua exposição “Mulher sem título”. É coordenadora da Exposição de Rua do Festival Med em Loulé durante quatro anos e participa na curadoria do mesmo em 2014 e 2015. Organiza e participa no projecto CORPO RESTRITO – Evento de Joalharia Contemporânea desde 2014.  A partir de 2015 frequenta as aulas da Licenciatura em Artes Visuais da FCHS, na UALG.



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